Há cerca de um ano considerávamos o tempo de exposição aos ecrãs como algo nefasto para o crescimento e desenvolvimento das crianças e jovens. Muito provavelmente os critérios do tempo de exposição continuam a ser os mesmos, o que é facto é que o paradigma mudou. Confinados no espaço e quiçá no tempo, também, o mundo passou a ser (re)conhecido através de um ecrã. Esta barreira criada por nós próprios para com o mundo exterior reduziu a possibilidade de socialização, apenas à virtualidade.
A sociedade adaptou-se ou pelo menos tenta adaptar-se a um novo modo de estar. Nesta nova forma de vida as telas, os ecrãs, o tempo de exposição aos meios informáticos aumentou exponencialmente. Se antes nos preocupávamos com o tempo que as crianças e jovens disponibilizavam para os jogos de consola, agora jamais nos podemos incomodar se ficarem oito a nove horas diárias em frente a um ecrã em aulas. Benéfico para conter a pandemia, maléfico para os olhos e mente dos alunos e professores. O tempo de atenção para qualquer pessoa nestes moldes é muito reduzido pelo que adaptar o tempo de exposição e até o modelo de aula (mais interativo e menos expositivo) é de todo importante. Quer sejam aulas, quer seja outro tipo de atividade ninguém escapa. Os pais em teletrabalho são confrontados com um tempo de exposição aos ecrãs também elevado, o que do ponto de vista mental é desgastante e emocionalmente desafiante uma vez que a atenção focada na tarefa on-line não permite distrações com outras tarefas familiares ou escolares. Quando uma reunião se avizinha do ponto de vista profissional o telemóvel ou o tablet são os melhores amigos da família, já que concentram a criança durante um bom período sem nada dizer ou incomodar os pais nesse intervalo de tempo. Se é o ideal? Não. Mas é o que é. Neste momento o fundamentalismo, se é que alguma vez tivesse tido necessidade de existir, é completamente desajustado. A vida alinha-se em cada segundo ao momento presente e suas necessidades.
Previamente e de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o tempo de exposição a ecrãs em crianças com idade inferior a dois anos é desaconselhado; já entre os dois e os quatro anos de idade o tempo de exposição a ecrãs deve ser limitado a uma hora diária no máximo. Este tempo de ecrã sedentário deverá ser acompanhado de três horas de atividades físicas diárias do primeiro ano de vida aos cinco anos de idade.
O ideal seria como recomendado que a exposição a ecrãs fosse substituída por tempo de qualidade, por exemplo a leitura de livros. Obviamente isto era uma verdade universal, ter tempo de qualidade. Mas os certos e errados deixaram de fazer sentido, ou melhor nunca fizeram, mas constituíam muitas vezes verdades absolutas das quais tivemos que nos desprender para assegurar que esta travessia atual chegasse com as famílias a bom porto. Para que esta viagem se faça da forma mais tranquila possível, os ecrãs passaram a constituir (grande) parte do dia a dia das famílias. Jamais podemos afirmar que esta exposição a ecrãs pelas aulas, tempo livre, teletrabalho é saudável, no entanto por agora é o que temos. Parece resignação, mas não é. É apenas aceitar o que foi adaptado para um bem comum.
O que podemos antever deste período de isolamento atrás dos meios informáticos? Uma socialização tal como a conhecíamos cada vez menor e uma expansão de contactos ao milissegundo. As crianças, jovens e adultos deixarão de saber estar desconectados. É quase como se os próprios fossem uma extensão da rede on-line.
Manter regras sempre que possível é importante reduzindo ao máximo o tempo de exposição a ecrãs, fora o período escolar (que dificilmente reduzirá). Se isto é possível para a maioria das famílias? Não. Distrair a criança enquanto se trabalha, com um tablet ou telemóvel por exemplo é um mal necessário naquele momento. Por outro lado, se os jovens não estão juntos em presença física, a forma de comunicarem e de se conectarem uns com os outros é através dos meios informáticos. Roubar este momento de socialização aos jovens, só porque o tempo de exposição já é muito longo será isolá-los do pouco que ainda têm de contacto com o exterior.
As diretrizes são importantíssimas, não fosse a fase que vivenciamos onde temos pais exaustos numa atitude “multifacetada” e que na maioria das vezes pisam o risco de tempo de exposição a ecrãs por parte das crianças. Se está certo? Já nos deveríamos ter habituado que não há certos nem errados, apenas a adaptação ao momento presente, nas suas exigências, é válida.
O importante será, tal como define o Royal College of Paediatrics and Child Health, haver um controlo do tempo de exposição a ecrãs e perceber se o mesmo pode interferir com as atividades de família ou sono da criança.
Este aumento drástico do tempo de exposição a ecrãs foi agravado pelo estado de pandemia, colocando miúdos e graúdos numa posição de fragilidade, onde as regras são ditadas pelo que pode ser e não através do que estipulamos que deveria ser.